A relação da tecnologia 4K com o conflito geracional
O João nasceu em 1997, tem agora 20 anos. O João é um nome fictício que representa toda uma geração que nasceu, cresceu e viveu já depois do boom da Internet. Em 2002, o João tinha cinco anos. Ainda não havia smartphones, a Internet ainda era "uma coisa" pouco explorada e a televisão por cabo era vista como o futuro. Mas todos conhecem o rumo da história e a forma como a fibra suplantou o cabo coaxial.
No entanto, passados 20 anos do nascimento do João, os operadores ainda trabalham para conseguir fazer chegar a fibra à quase totalidade do território português. Mas a história não se debruça sobre a fibra. O João cresceu e quando ganhou idade para se aperceber melhor destas coisas da tecnologia, já tinha nascido o Iphone, logo depois o sistema Android; a era dos smartphones. Aos 10 anos, o João vivia e crescia em plena revolução das comunicações móveis. Já se falava do mobile first, da necessidade de criar conteúdos a pensar nesta tecnologia.
Na televisão, há muito que o João estava habituado a múltiplos canais (ao contrário dos pais que viveram toda a sua infância apenas com dois e, na maioria, ainda a preto e branco). Para os que tiveram a sorte e possibilidades financeiras de adquirir uma antena satélite, era possível ver canais internacionais. Porque nos Estados Unidos, já há uns anos que existiam múltiplos canais, alguns deles temáticos. O pai do João recorda as madrugadas em casa de um amigo (que tinha uma dessas antenas) a ver a Fórmula 1.
O João, nem imagina o que isso é. Cresceu já com uma ligação através de ADSL, depois o Coaxial e logo depois a Fibra. Com a velocidade permitida pelo sinal, com a evolução das próprias televisões, surgiu a necessidade de melhorar a qualidade de imagem. Surgem então os canais com definição HD, Full HD, Ultra HD ou 4K (3.840 x 2.160 pixels). Aliás, já há testes ao nível das transmissões em 8K, o que mostra bem como a tecnologia evolui de forma rápida e surgem novidades, ainda antes de estar massificada a anterior.
Quando o João for pai, o seu filho vai nascer e crescer com estas novas realidades e olhar para o presente (o futuro) como um passado longínquo.
Para o João, que já tinha acesso a vídeos em alta definição através do Youtube, e com a velocidade e acesso à informação do que se passa noutros países, estes aparelhos já vinham tarde. O João é a geração que exigiu o aparecimento de plataformas como o Netflix.
Os ecrãs passaram de caixotes para televisores cada vez mais finos, com ecrãs Qled e Oled, a última geração que também foi acompanhada pelos fabricantes de smartphones. Desde a simples transmissão da RTP1 e RTP2, a preto e branco, a que os pais do João tinham acesso, muito sucedeu em Portugal.
Pelo meio ficaram tecnologias como o 3D, tecnologia que ainda se encontra em muitas Smart TV's mas que tem uma utilização praticamente nula. E em relação às três dimensões, os pais do João ainda recordam a experiência realizada em meados da década de 80 com a transmissão do Monstro da Lagoa Negra.
Um evento que deu muito que falar. A RTP fez uma enorme campanha de marketing, vendeu óculos "especiais" para se poder assistir a esta transmissão. Qualquer pessoa conseguia adquirir um exemplar nas papelarias, vendidos em pacotes de três, para a família, e perante alguma controvérsia, chegaram a ser "oferecidos" junto com os jornais.
Para assistir, além dos óculos, feitos em cartão e dois pedaços de papel celofane (vermelho e verde) no lugar das lentes, era preciso mexer nas definições da TV, na saturação, só assim, supostamente, era possível ver o monstro a entrar pela sala.
Para o João, esta história cheira a mofo, ele jamais se deixaria enganar por uma campanha como aquela que fez parar o país nesse serão da década de 80. Se fosse hoje, haveria milhões de entradas nas pesquisas feitas na Internet com as críticas de especialistas sobre a matéria. Para os pais, com um acesso mais limitado à informação, foi uma experiência falhada.
Nem com muita vontade se pode dizer que o 3D dessa transmissão funcionou. Nem os televisores estavam preparados para tal cenário nem o filme, realizado em 1954 (sim, já desde os anos 50 que a loucura do 3D invade os EUA), além de ser um dos piores filmes de terror jamais vistos, defraudou as expectativas do país que parou para ver, em horário nobre, o tão prometido filme "em relevo".
Desde então, essa tecnologia teve algumas incursões pelas salas de cinema e os construtores de televisores tentaram acompanhar. Os pais do João já assistiram a alguns filmes em 3D no cinema, como o Avatar, em 2009, e aí sim, sentiram o prazer que esperavam desde aquele serão a olhar para o Monstro da Lagoa Negra, à espera que o monstro saltasse da TV. Mas, tirando isso, até agora, o 3D não ganhou adeptos. Quem sabe, com o tempo, irá voltar. Tal como em relação às restantes tecnologias, é preciso haver conteúdo com qualidade e em quantidade.
A realidade do 4K
Com o 4k a realidade é bem diferente. Os principais produtores de conteúdos estão a apostar nesta tecnologia, as transmissões dos grandes eventos, principalmente desportivos, já são feitas em 4k e, como tal, o João, que até gosta de ver futebol e canais de cinema, exige esta qualidade quando escolhe, por exemplo, o restaurante ou café onde vai juntar os amigos para ver o jogo. Isto nos dias em que não consegue espaço ou tempo para se juntarem em casa.
Por isso, os donos destes estabelecimentos precisam de acompanhar também esta evolução, perceber que a tecnologia pode ajudar a atrair clientes em momentos específicos. E já é comum ver em alguns os cartazes manuscritos ou não, a anunciar a transmissão de um grande jogo em 4K.
Porque, qualquer canal com qualidade inferior serve para o João, e os seus amigos, fazerem a comparação: "o 4K tem muito mais definição, neste já se nota o grão". Para os pais do João, que cresceram com o preto e branco, o HD já é bastante bom. Também notam a diferença, claro, mas são menos exigentes do que as gerações seguintes. Ao contrário do que se passou com o monstro da Lagoa Negra, o 4K faz aquilo que promete.
Na verdade, a qualidade de imagem é tão nítida que mais parece que se está a olhar por uma janela do que para uma TV.
Praticamente todos os canais de filmes e séries, além dos desportivos, transmitem em 4K, o que permite usufruir desta tecnologia em pleno. A Netflix, por exemplo, tem uma forte aposta na produção de conteúdos com esta tecnologia de forma a responder às exigências da geração do João.
Para o João, que nem sabe o que é viver sem um smartphone (aliás, nem os pais conseguem passar sem ele), está fora de questão abdicar da sua televisão 4K. Até porque quando joga na Playstation 4, tudo tem de ser o mais realista possível. Os pais ainda lhe dizem: "devias ver o que era jogar com uma consola 48k e esperar quase uma tarde inteira para a K7 carregar o jogo".
O João mal sabe o que é uma K7 e nem sequer imagina uma consola a funcionar a 48kbps ou 128kbps.
A tecnologia está em evolução constante, por vezes chega mesmo a ter uma relação muito próxima nos conflitos geracionais e, em breve, quando o João for pai, o mais certo será o seu filho ter outras "necessidades". O 4K já não será suficiente e o João vai tentar dizer ao filho que no tempo dele, ter o 4K era o último grito tecnológico.
O João irá acompanhar esta evolução, porque hoje em dia já quase nada surpreende e a informação circula a grande velocidade. Mas até o João fica perplexo quando ouve falar da Inteligência Artificial, dos carros autónomos. Quando o João for pai, apesar de acompanhar as tendências, vai sentir-se como os seus pais, ultrapassado! Porque o seu filho vai nascer e crescer com estas novas realidades e olhar para o presente (o futuro) como um passado longínquo.